O PIRATA – Marjorie Wally

“Nós não vemos as coisas como elas são, nós as vemos como nós somos.”
(Anaïs Nin)

Um dia a Sra. Smith estava sentada na ante-sala do consultório médico quando um garotinho e sua mãe entraram. O menino chamou a atenção da Sra. Smith porque usava um tapa-olho. Ela ficou maravilhada pelo fato de ele não parecer ter sido afetado pela perda de um olho e o observou enquanto acompanhava a mãe até uma cadeira próxima.
O consultório estava muito cheio naquele dia, de modo que a Sra. Smith pôde conversar com a mãe do menino enquanto ele brincava com seus soldadinhos. No começo, ficou sentado calmamente, brincando com os soldadinhos no braço da cadeira. Depois, sentou-se tranquilamente no chão, olhando para cima, para sua mãe.
Finalmente, a Sra. Smith teve a oportunidade de perguntar ao menino o que havia acontecido com seu olho. Ele analisou a pergunta durante um longo instante e, em seguida, respondeu, levantando o tapa-olho:
– Não há nada errado com meu olho. Sou um pirata! E voltou para sua brincadeira.
A Sra. Smith estava ali porque havia perdido a perna, do joelho para baixo, em um acidente de carro. Sua consulta naquele dia era para determinar se o joelho já cicatrizara o suficiente para ser encaixado numa prótese. A perda fora devastadora para ela. Mesmo tentando ao máximo ser corajosa, sentia-se uma inválida.

Intelectualmente sabia que a perda não deveria interferir com sua vida, mas, emocionalmente, não conseguia superar esse obstáculo. O médico sugerira visualização e ela experimentara, mas não fora capaz de visualizar uma imagem emocionalmente aceitável e duradoura. Em sua cabeça via-se como uma inválida.
A palavra “pirata” mudou sua vida. Foi instantaneamente transportada. Viu-se vestida como um pirata, de pé no convés de um navio. Estava parada, com as pernas abertas, sendo que uma perna era de pau. As mãos seguravam os quadris, a cabeça estava levantada, os ombros para trás e ela sorria no meio da tempestade.
Ventos com a força de um furacão chicoteavam o casaco e o cabelo. A espuma gelada era soprada por cima da balaustrada do convés e grandes ondas se quebravam contra o navio. O barco balançava e gemia sob a força da tempestade. Ainda assim ela se mantinha firme, orgulhosa, impávida.
Naquele momento, a imagem de inválida foi substituída e sua coragem voltou.
Olhou para o garotinho, ocupado com seus soldados.
Alguns minutos depois, a enfermeira a chamou. E, quando se balançou nas muletas, o garotinho percebeu sua amputação.
– Ei, moça – chamou-a. – O que há de errado com a sua perna?
A mãe do menino ficou petrificada.
A Sra. Smith olhou durante um instante para a perna diminuída. E respondeu com um sorriso:
– Nada. Também sou pirata.

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